Artigo

Nasce a Frente Nacional pela saúde dos e das migrantes!

Por Andrés Felipe Bernal Restrepo, antropólogo mestre em geografia da UFPE, membro da FENAMI e do MIGRA (Grupo de pesquisa CNPq Migrações, Mobilidades e Gestão Contemporânea de Populações) da UFPE

No diálogo com mulheres migrantes venezuelanas que moram em João Pessoa, no Estado da Paraíba, evidenciou-se as dificuldades que muitas delas têm para acessar os serviços de saúde a nível local, e, particularmente, para a realização de exames com especialistas e programação de novas consultas. Algumas falam não terem sido atendidas nem orientadas para tratar problemas de ovários, doenças oculares e de joelho. A anterior situação no marco das múltiplas crises instaladas desde o início da pandemia causada pela Covid -19. 

De acordo com a agente comunitária de saúde parceira, a ação informativa sobre o sistema de saúde pública que programamos com migrantes, no Posto de Saúde Familiar (PSF) do bairro de Mangabeira, não aconteceu dentro das instalações porque a gerente do posto de saúde local, não quis abrir o espaço. Para ela, era um fato coberto de xenofobia por parte da gerente, pois, as instalações nessa hora estavam vazias, dado o final dos atendimentos do dia. Mangabeira é um dos bairros que mais acolhem essas populações na cidade.

Estas e diversas experiências com migrantes frequentam o dia a dia de agentes de proteção de uma ONG que atua na Paraíba e Pernambuco. São experiências que não acabam com as relatadas acima, como também, pelas mortes de indígenas Warao por tuberculose, Covid 19, pré-eclâmpsia e outras causas de mortes de crianças ainda sem esclarecer. Somado a isso, foram evidenciados, quadros de doenças como meningites, cefaleia, febre, diarreia e vômito em algumas temporadas. Este cenário acontece, apesar dos esforços dos agentes dos órgãos públicos, de entidades de assistência social local, de organizações da igreja que administram os abrigos, entre outros, que evidenciam as falhas no processo de atenção à saúde, tanto dos migrantes não indígenas, como migrantes e refugiados do povo Warao.

Algumas destas problemáticas foram tema de debates e discussões durante os dias 15 e 16 de julho deste ano, quando aconteceu a etapa regional nordeste da 1ª Plenária Nacional sobre Saúde e Migração, numa rara movimentação no Brasil. Nela, se escutaram migrantes, profissionais e gestores de saúde, pesquisadores, acadêmicos e ativistas, se mobilizando para debater as dificuldades de acesso à saúde por migrantes residentes nesta região, na qual, além da Paraíba e Pernambuco, participaram pessoas do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Alagoas,  Brasília e São Paulo. Foram 80 registros de presença durante os debates, e 30 diferentes organizações, serviços e instituições. Desta movimentação foram aprovadas 54 propostas visando a melhoria das condições de acesso a saúde da população migrante que mora na região nordeste.

Durante a 1ª Plenária na etapa nordeste, foi evidenciada a necessidade da articulação das bases de dados de emissão documental e desburocratização da documentação requerida para emissão do cartão SUS. Foi proposto também a capacitação das equipes locais e servidores públicos dos Postos de Saúde, dos CRAS e CREAS na temática da Imigração, refúgio, desumanização e falta de sensibilização de uma visão intercultural, com foco nos direitos dos migrantes e nos direitos humanos.

As realidades de racismo, xenofobia, violência obstétrica e a falta de um atendimento adequado a populações LGBTQIA+, também foram temas do encontro, colocados como principais obstáculos de acesso adequados ao SUS. Foram debatidas as dificuldades no acesso dos indígenas Waraos a uma atenção primária ofertada pelos órgãos como o DSEI (Distrito e Saúde Especial Indígena), SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e a ligação da saúde com problemáticas relacionadas com o acesso ao trabalho e a uma moradia digna.

FRENTE NACIONAL PELA SAÚDE DE MIGRANTES – FENAMI

Nesse cenário da 1ª Plenária Nacional sobre Saúde e Migração, evidenciou-se a urgência de nos mobilizarmos para exigir a construção de uma estratégia de saúde para migrantes que considere as especificidades destas populações residentes no Brasil. É assim como surge a Frente Nacional pela Saúde de Migrantes – FENAMI, como espaço de articulação e mobilização nacional pela garantia de uma atenção integral a saúde de migrantes, refugiados e apátridas.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) é de direito dos migrantes a igualdade ao acesso aos serviços de saúde, que contemple e respeite suas características culturais e étnico-raciais. Neste mesmo sentido, a Constituição Federal de 1988 e o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, preveem universalidade, equidade e integralidade no atendimento à saúde para todos os residentes no país, ou seja, para brasileiros e imigrantes.

Considerando estes mandatos e as dificuldades que vivenciam milhares de migrantes no Brasil em relação as questões da saúde entendida a partir das mais diversas interseções possíveis como moradia, trabalho e renda, gênero e raça, educação, acesso ao SUS e à seguridade social, etc, a FENAMI busca atuar em três eixos: 

i) o eixo de advocacy, encarregado por dialogar com os poderes públicos e representantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário; 

ii) o Eixo de monitoramento, pesquisa e fiscalização, encarregada por implementar e conduzir o Observatório Saúde e Migração e de produzir conhecimento que aporte aos debates e discussões; 

iii) o eixo de mobilização, responsável por mobilizar migrantes, organizações e outres interessades, organizar eventos de divulgação sobre o tema e por construir a próxima Plenária prevista para o 2023.

Quer participar desta construção? Visite a página da FENAMI onde podem encontrar informações. https://www.fenami.org/

Pela saúde dos e das migrantes!

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